Trump gera corrida no mercado de defesa da Europa

Abr 7, 2025 - 12:00
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Trump gera corrida no mercado de defesa da Europa

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O mercado de defesa europeu vive o seu momento mais paradoxal desde o fim da Guerra Fria, misturando a euforia nas Bolsas de Valores devido aos sucessivos anúncios de aumento de gasto militar com dúvidas acerca de capacidade produtiva, cadeias de suprimento e o comprometimento dos governos.

 

Se Vladimir Putin já havia iniciado uma mudança tectônica no setor quando invadiu a Ucrânia em 2022, coube a Donald Trump provocar a revolução.

Ela veio na forma da ainda incerta guerra tarifária e na sua retórica de desinteresse nos assuntos de defesa da Europa, continente que desde 1945 olha para os Estados Unidos quando o assunto é enfrentar a Rússia. O fim da União Soviética em 1991 acelerou o processo, reduzindo investimentos em defesa e aumentando a dependência de material americano.

Ao longo da semana que passou, a reportagem conversou com atores desse mundo, reunidos no Rio para a bienal de defesa Laad. Há otimismo tão consensual quanto ansiedade ante as nebulosidades entre eles.

"Fizemos investimentos de R$ 7,5 bilhões no ano passado, e esperamos fazer o mesmo neste ano. Um bom exemplo é nosso negócio de munições no Reino Unido, onde aumentamos a capacidade de produção em oito vezes no último ano", disse John Stocker, diretor-gerente para Américas da BAE Systems.

A empresa britânica é a maior fabricante europeia de armas, ficando em sexto lugar global no ranking do Sipri (Instituto Internacional de Estudo da Paz de Estocolmo) no ano passado, que mede as receitas das empresas -R$ 181 bilhões em 2023. As cinco primeiras das lista são americanas.

Isso reflete a realidade que Trump virou de cabeça para baixo, ao primeiro cobrar que países europeus gastassem mais com defesa e depois alinhar-se a Putin para buscar uma trégua na Ucrânia. Até um parceiro na aliança militar da Otan, a Dinamarca, virou alvo de pressão pela obsessão do americano em tomar a Groenlândia.

Todos os principais governos miram agora um gasto na casa de 3% do PIB com defesa, nível só alcançado ou ultrapassado hoje por 5 dos 32 membros da Otan.

A União Europeia anunciou um programa de incentivos fiscais e empréstimos de R$ 5 trilhões, desde que para empresas do bloco -que não inclui o Reino Unido da BAE.

Stocker minimiza isso. "Cerca de 25% de nosso faturamento vem de clientes europeus que não o Reino Unido", diz. A empresa participa tanto do caça europeu Eurofighter quanto do americano F-35 e está no programa do modelo de sexta geração com italianos e japoneses.

"O continente tem algumas companhias notáveis, capazes de produzir alternativas de alta qualidade aos produtos americanos. Mas anos de chegada de embarques transatlânticos prejudicaram sua capacidade de fabricar em escala", diz o analista Ronan Wordsworth, da consultoria americana Geopolitical Future.

O cenário gerou uma corrida às ações das empresas europeias. O índice Stoxx Aerospace & Defense, que mede as companhias no continente, teve 30% de alta neste ano. Nos últimos seis meses, a alemã Rheinmetall viu suas ações subirem 156%.

A maior firma sueca do setor, a Saab, teve valorização de 81% no período e viu as chances de seu caça Gripen E/F, o mesmo vendido ao Basil, ser comprado por Portugal -que descartou o F-35 devido à imprevisibilidade de Trump.

No entanto, seu presidente, Micael Johansson, demonstrou cautela quando conversou com a reportagem no Rio. Segundo ele, "precisamos ter acertos com governos e forças de defesa em toda a Europa para dizer 'ok, esses níveis estamos preparados para pagar' quando os tempos forem bons e talvez a demanda não seja tão alta".

Concorda com ele seu cliente prioritário, a Suécia. Também na Laad, o número 2 da Defesa do país, Peter Sandwall, disse que "a maioria das empresas está trabalhando em três ou quatro turnos, mas está claro que, a longo prazo, muito mais é necessário".

"Os países precisam fazer aquisições coordenadas, mais encomendas, tornando possível que elas tomem decisões de investimento", afirmou, independentemente de o conflito iniciado por Putin em 2022 acabar.

A corrida envolve também a busca por alternativas nas linhas de suprimento, e nisso a presença dos europeus no Brasil pode trazer benefícios indiretos ao país.

"A Europa se deu conta da necessidade de defesa, e nós temos centros de competência pelo mundo", diz Luciano Macaferri, vice-presidente da Thales América Latina. Segundo ele, a francesa está analisando como sua subsidiária brasileira Omnisys pode "render" como fornecedora nos seus campos, que vão de vigilância aérea a sensores.

O consórcio europeu Airbus, por sua vez, tem no país o domínio do mercado de helicópteros, por meio da Helibras. "Desde a Covid, o Ocidente tem buscado países para formar uma cadeia de suprimento confiável", disse o presidente da empesa, Alberto Duek, adicionando a Guerra da Ucrânia como fator desestabilizador.

Já a maior empresa brasileira no setor militar, a Embraer Defesa & Segurança, aproveitou o contexto e entrou de forma decisiva no mercado da Otan com seu principal produto, o cargueiro KC-390, vendido para seis países do grupo. Como todos os outros atores da área, contudo, seu presidente, Bosco da Costa Junior, "acompanha atentamente" o desenrolar da balbúrdia tarifária de Trump.

Voltando à Europa, o tempo corre contra governos e empresas para mudar um cenário no qual os EUA detêm 39% do orçamento de defesa do mundo, ante 22% dos aliados do continente mais o Canadá, e dominam 43% do mercado de exportação militar do mundo, enquanto os europeus pouco menos de 30% juntos.

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