Mercado de trabalho aquecido esconde precarização e polarização em vaga

FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O dinamismo atual do mercado de trabalho formal e informal esconde a primazia na criação de vagas que pagam menos que a média salarial da economia. A tendência reforça polarização na área, com mais oportunidades criadas nas extremidades, aquelas com piores, em maior número, e melhores remunerações.
Na média do ano passado, a taxa de desocupação foi de 6,9%. Em relação a 2012, outro momento de desemprego baixo para o padrão brasileiro (7,4%), houve piora relativa na qualidade das vagas e nos salários em 2024 -quando comparados à remuneração média na economia.
Trabalho do economista Nelson Marconi, da FGV/EAESP e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento, sugere que a precarização e a polarização podem explicar, em parte, o descasamento entre a evolução do mercado de trabalho e o apoio cadente da população ao governo Lula.
Outro fator seria o preço dos alimentos, apesar de a renda do trabalho da metade mais pobre ter aumentado acima da inflação da comida em 2024 -10,7% e 7,7%, respectivamente, segundo a FGV Social e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"No setor privado, há, de um lado, clara concentração de criação de vagas em atividades que requerem elevada qualificação, com melhores salários. De outro, em maior quantidade, em grupos que demandam menores habilidades e que pagam menos", afirma Marconi.
No primeiro grupo predominam profissionais com nível superior e formação técnico-científica; no segundo, vendedores do comércio e de alimentos, motoristas (como de aplicativos e motoboys) e trabalhadores dedicados a serviços pessoais.
No miolo, em atividades medianas (operários qualificados da indústria, técnicos em geral e pessoal administrativo de melhor nível), com exceção dos técnicos de saúde, não houve variação significativa entre 2012 e 2024.
O estudo considera o rendimento médio das profissões e dos setores analisados igual a 1. Assim, é possível observar quais áreas pagam acima ou abaixo da média, e como as remunerações variaram de 2012 a 2024. Os dados são da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) e reproduzem as mesmas nomenclaturas do IBGE para as profissões analisadas.
No caso dos vendedores do comércio, a área que mais contratou entre os dois períodos, com 2,39 milhões de novas vagas, a remuneração quase não variou e manteve-se abaixo da média 1 tanto em 2012 (0,76) quanto em 2024 (0,80).
Com 1,24 milhão de novos trabalhadores, a área de transporte, armazenamento e correio, que inclui motoristas de Uber e motoboys, registrou queda relativa na renda entre os dois períodos, de 0,81 para 0,74, ante a média 1 de todas as profissões analisadas.
Houve precarização mesmo em segmento de profissionais mais qualificados e com ensino superior que tiveram grande criação de vagas (1,29 milhão): atividades profissionais científicas e técnicas -como engenharia, arquitetura, publicidade e consultoria jurídica e contábil, entre outras . Embora acima da média salarial 1, os rendimentos caíram de 2,89 em 2012 para 2,14 em 2024.
"O que os dados mostram é um reforço da desigualdade na economia, o que acaba levando o país a empregar grandes somas em benefícios sociais [mais de R$ 170 bilhões só com o Bolsa Família]. Isso é uma característica de países que se desindustrializam", diz Marconi.
Para Lucas Assis, da Tendências Consultoria, apesar de o desemprego ter atingido a mínima histórica em 2024 e o nível de ocupação ter chegado a 58% da população em idade de trabalhar (acima dos 56,9% de 2023 e próximo aos 58,1% de 2013), "o mercado de trabalho convive com sinais relevantes de precarização e desigualdade estrutural".
"A informalidade permaneceu elevada, atingindo 38,7% em 2024. Isto configura traço estrutural e, ao lado da desigualdade educacional, contribui para a manutenção da pobreza em parte significativa da população ocupada, especialmente entre os trabalhadores com baixa escolaridade."
Assis ressalta que ainda há cerca de 21 milhões de pessoas em condição de desocupação, subocupação ou força de trabalho potencial, além do fenômeno da sobre-educação, que reforça a percepção de precarização estrutural.
"Mais de um terço dos trabalhadores com ensino superior no Brasil atua em ocupações que demandam menor qualificação do que a adquirida, o que compromete os retornos salariais, especialmente em áreas técnicas, e limita os ganhos de produtividade", afirma.
O economista pondera que dados recentes indicam sinais de avanços, embora parciais e heterogêneos. A recuperação iniciada em 2022, após a pandemia, por exemplo, gerou mais empregos formais, o que contrasta com o padrão da retomada de 2017, quando predominaram os informais.
A renda também está em alta. Na comparação com o 2012, o salário médio formal e informal aumentou 12,8% acima da inflação. No início de 2025, os dados apontam continuidade desse movimento, com rendimento médio real alcançando R$ 3.343 (alta de 3,7% em um ano).
"Mesmo entre profissionais mais qualificados, no entanto, houve perda de remuneração relativa em alguns setores, o que pode estar associado ao crescimento da oferta de mão de obra com ensino superior e às mudanças nas formas de contratação, como a pejotização", diz Assis.
Segundo o Censo de 2022, a parcela da população com curso superior no Brasil passou de 7% em 2000 para 18% -mas segue distante dos 40% na média das economias avançadas.
Para Fernando de Holanda Barbosa, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, é difícil falar em precarização quando a taxa de desemprego é baixa e a criação de vagas formais, elevada. O salário real também cresce acima da produtividade da economia, o que é sinal de mercado aquecido.
Barbosa pondera que este vigor vem sendo mantido devido à política de gastos elevados do governo Lula, e que é pouco provável que isto se modifique até o ano eleitoral de 2026.
"Já a polarização é um processo em andamento no mundo, relacionado à substituição de trabalhadores pelas novas tecnologias. É natural observar isso no Brasil também", diz.
Sobre a resiliência do mercado do trabalho, estudo divulgado na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento, sugere que uma desaceleração pode estar em curso.
Segundo Maria Andreia Parente Lameiras, uma das autoras, a diminuição da força do mercado ou sua acomodação seria natural diante dos juros altos e da expectativa de um PIB menor em 2025. No trimestre até fevereiro, a taxa de desemprego subiu a 6,8%, segundo o IBGE -ante 6,1% no intervalo até novembro.
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